segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Revista de Imprensa

Alterações climáticas obrigam borboletas a fugir



Uma investigação sobre o efeito das alterações climáticas na Europa fez soar o alarme: as borboletas podem desaparecer do continente nas próximas décadas. Algumas espécies vão voar para norte, mas outras podem extinguir-se. Borboletas com 'habitat' em Portugal também serão afectadasEspécies poderão desaparecer da EuropaUma borboleta mediterrânea que voava pelos Alpes deu o aviso.


O estudo Climatic Risk Atlas of European Butterflies veio dar a confirmação: as borboletas vão começar a fugir da Europa. Se a temperatura do planeta continuar a aumentar a um ritmo elevado, dentro de décadas os entomólogos europeus terão de se mudar todos para a Escandinávia, pois será este o único local do Velho Continente onde encontrarão borboletas. Isto, claro, no pior dos cenários.


O aquecimento global vai, então, ser o grande responsável pelo desaparecimento das borboletas. Segundo o estudo coordenado pelo alemão Josef Settele, o Sul da Europa será a zona mais fustigada, uma vez que as espécies vão começar a fugir para norte para procurarem temperaturas mais amenas. Portugal não é excepção e, provavelmente, perderá muitas espécies. É por isso que a bióloga especializada em borboletas, Patrícia Garcia-Pereira considera este estudo "alarmista".


A presidente do Centro de Conservação das Borboletas de Portugal corrobora ideia de que as alterações climáticas terão um "efeito devastador" nas espécies e alerta para "várias extinções de borboletas no Norte de Portugal". Já o autor do livro Borboletas em Portugal, Ernestino Maravalhas, lembra aquela que é também uma das conclusões do estudo: "As borboletas para sobreviverem vão acabar por fugir para as montanhas, para a altitude, já que estes são territórios mais poupados pelo homem."


O estudo Climatic Risk Atlas of European Butterflies, organizado por peritos de cinco países, refere que a subida dos termómetros, num primeiro momento, vai alterar o ciclo reprodutivo dos insectos. Porém, há outras consequências graves do aumento da temperatura: o desaparecimento de vários tipos de vegetação. Ora, sem plantas, não há borboletas. Por outro lado, os responsáveis deste estudo não têm dúvidas de que os humanos deviam tomar este como um sério aviso. Isto porque, se agora são estes pequenos animais a sentir as alterações climáticas na pele, mais tarde serão os seres humanos.


Regressando às borboletas, há um aspecto que parece ser consensual entre os analistas: vai haver uma redistribuição das espécies. Como escreveu Josef Stelle num comunicado sobre o estudo "muitas espécies devem mudar a sua distribuição de uma forma radical, se querem manter o passo com as mutações do ambiente". O que deverá acontecer.


No entanto, ainda não se sabe para onde irão as borboletas que hoje têm os seus habitats em Portugal. Provavelmente, para Norte. Mas tal não é possível de definir porque como explica Patrícia Garcia-Pereira "em Portugal não temos um plano de monitorização das populações". Já Ernestino Maravalhas faz questão de lembrar que há muitas espécies que não conseguirão ir longe. "Se no próximo século não for nada feito em termos de aquecimento global, daqui a 50 anos, há espécies que não vão para Norte nem vão para lado nenhum, vão desaparecer", lamenta o especialista português.


A "fuga" das borboletas para Norte será muito difícil, uma vez que "muitas espécies não passarão a difícil barreira física que são os Pirinéus".É, no entanto, errado falarmos em "desaparecimento total" ou "extinção" porque, como explica Patrícia Gar- cia-Pereira, este estudo "é uma previsão drástica, mas é só uma previsão". Por isso, alguns biólogos alimentam a esperança de que os mapas de 2050 e 2080 traçados pelo estudo possam ainda ser evitados. Se as metas ambientais forem cumpridas e a temperatura não aumentar mais do que dois graus, muitas espécies vão poder continuar nos mesmos habitats.No entanto, esta fuga das espécies para Norte pode ter também um efeito positivo. Em Portugal, por exemplo, vai começar a existir uma "invasão" das espécies típicas do Norte de África.


No Alentejo, as borboletas-monarcas têm aparecido a um ritmo alucinante. Esta espécie, típica do Norte de África, começou por ser vista na Andaluzia, mais tarde no Algarve e, hoje, já são várias populações com habitat em Odemira, no Alentejo. "Há espécies que já se afastaram 400 quilómetros do seu habitat", garante Ernestino Maravalhas. A frase deixa-nos a ideia de que a previsão do estudo pode mesmo vir a verificar-se. Pior: Já está a verificar-se. Apesar de algumas borboletas serem nómadas e estarem habitua- das a viajar quilómetros gerações após gerações, o aquecimento global pode mesmo dar um rude golpe a várias destas espécies. As que conse- guirem sobreviver vão fugir para Norte, mas em muitas zonas do Velho Continente já não se irá ver este pequeno bater das asas.


O romancista inglês Charles Dickens escreveu um dia: "Só peço para ser livre. As borboletas são livres." E se os homens europeus seguiram o exemplo das borboletas e, no século XX, se tornaram livres, agora que assistem ao desaparecimento destas espécies, não devem tomar isto como exemplo, mas sim como um aviso. Porque, como alertam os biólogos responsáveis pelo estudo, "hoje são as borboletas, amanhã podem ser os humanos" .

Fonte: Jornal Diário de Notícias, 25 de Janeiro de 2009

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